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A originalidade


A originalidade é um conceito que fundamentalmente tem as suas raízes no século XVIII, nasceu com o movimento filosófico do Romantismo no mundo ocidental. A originalidade é a afirmação da individualidade interior, a necessidade de demonstração da diferença, a negação da uniformidade.

O romantismo (como a originalidade), na sua génese é intuição, sentimento e individualismo. Nasceu em oposição ao classicismo e iluminismo que mudaram a Europa pós idade média.

O romantismo trouxe também revivalismos da idade média e aos princípios da nobreza de pensamento e comportamento. Tentou reagir e resistir à industrialização, à urbanização. Continha em si várias contradições, gerou as mais variadas correntes de pensamento, muitas até diametralmente opostas. Acima de tudo libertou a criatividade humana das regras e modelos rígidos predominantes.

Movimentos ideológicos e políticos como o liberalismo, radicalismo, conservadorismo e nacionalismo nasceram desta nova consciência individual que floresceu na sociedade.

Tradições populares antigas foram levadas a um estatuto nobre. Compositores como Schubert ou Chopin, nomeadamente com os  Impromptu, um estilo livre quase de improviso demonstraram bem esta nova maneira de pensar. Ainda hoje o Jazz ocupa esse espaço de liberdade e originalidade na música.

A noção de verdade objectiva foi substituída por uma visão própria e inerente a cada individuo.  A visão Platónica de beleza ideal e inatingível foi substituída por uma ideia de beleza interior e da procura da originalidade individual.

No mundo Germânico, Goethe e Wagner, contribuíram decisivamente para o aparecimento do Nacionalismo, recuperando os grandes feitos da sua mitologia.

Em França, o Romantismo influenciou a revolução, inspirou Alexandre Dumas a escrever "Conde de Montecristo" e "Os três mosqueteiros", paradigmas da aventura histórica. Victor Hugo escreveu o "Corcunda de Notre-Dame". O romantismo Francês foi uma declaração de que não havia mais regras ou modelos. A originalidade no seu estado mais puro.

Em Inglaterra o Romantismo é mais limitado e visto pela monarquia como um perigoso desvio com ligações à revolução republicana Francesa. Ainda assim, uma das suas afirmações mais eloquentes  é atribuída ao poeta, William Wordsworth: "A poesia deve começar com um extravasar de sentimentos poderosos que o poeta depois recolhe na sua tranquilidade".  A originalidade como a última expressão do individual.

Nos Estados Unidos, Edgar Allan Poe surpreende-nos com a sua poesia misteriosa e macabra, sendo por muitos considerado o pai do estilo policial na literatura.

Em Portugal, apareceu o estilo arquitectónico neo-manuelino, que podemos ainda admirar no Palácio da Pena  e na Estação do Rossio, ou exemplos de neo-gótico, como o elevador de Santa Justa e até neo-árabe como a Praça do Campo Pequeno.  Ainda hoje nos surpreende a libertação de paradigmas que regeu este período.

Na literatura, Bocage rompeu com todas regras, Almeida Garret recuperou o herói Camoniano. O Visconde Camilo Castelo Branco teve a conhecida rivalidade histórica com Eça de Queiroz sobre arte, politica e o futuro de Portugal. Camilo, combinou nos seus romances dramáticos, sentimento com sarcasmo e humor negro. Fê-lo como ninguém.

Do estado de agitação social e politica, saído das invasões napoleónicas, acabou rapidamente por germinar a revolução liberal que marcou por cá o fim do romantismo artístico.  Ainda assim, deixou marcas e influências que serão recorrentemente visitadas como o fizeram, Alexandre Herculano e Cesário Verde.

No mundo ocidental, os movimentos liberais e socialistas acabaram por terminar e até tentar ostracizar este período fulgurante do pensamento humano, impondo modelos de uniformização social, ainda que provavelmente fundamentais para a construção social que se centrou nas grandes metrópoles industriais. Até a originalidade se transformou quase só em patentes corporativas e negócio.

A evolução social de ideias antagónicas nascidas do Romantismo, como o liberalismo e o nacionalismo, acabou por culminar nas grandes guerras do século XX, que mudaram dramaticamente o mundo ocidental e a prazo foram libertando o resto do mundo do seu domínio politico global.

O mundo de hoje não tem nenhuma identidade dominante definida, a originalidade tem espaço, é admirada, invejada, atacada e acima de tudo copiada. Talvez a maior bizarria do mundo actual seja a contradição máxima do individualismo, quando tentamos copiar em busca de originalidade.

O pós-modernismo tentou recuperar algumas das ideias de liberdade individual, de libertação das regras sociais e volta a adorar de forma quase obstinada, a originalidade. Este movimento tem seguidores nas franjas, quer a nível das elites intelectuais quer dos resistentes às normas, muitas vezes este grupos são mesmo um só.

O equilíbrio entre o socialmente correcto e a liberdade individual, é hoje como nunca, um dos maiores pontos de debate e conflito. Música, literatura, política e até a comunicação social debatem-se diariamente com esta questão.

Qual o papel da originalidade no futuro da humanidade? Como escreveu António Gedeão (pseudónimo literário de Rómulo Carvalho) "O sonho comanda a vida."

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